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Depoimento de uma leitora dessa página, portadora de TDAH, mãe de um adolescente também com TDAH
 
Eu  tenho  um  filho  de 17 anos que sempre  deu  muito  trabalho, aborrecimento, raiva, desgosto,  tristeza  a mim  e ao  pai  dele (hoje meu ex-marido). Ele demorou  a falar, com 3 anos ainda falava mal,  muitas palavras eram distorcidas,  por  exemplo: a palavra  shopping  dizia “fóppin”; não tinha medo de nada;  parecia que estava ligado  em tudo à sua volta; intrometia na conversa alheia;  tinha explosões de raiva com  chiliques violentos  por motivos torpes, que  demoravam de 30 a 40 minutos: caía no chão, esgoelava, chorava, e se debatia de  forma espetacular; perdia muitos objetos e brinquedos ou  não  sabia onde estavam;  castigos, tapas e repreensões nunca adiantavam; e  outros comportamentos um tato estranhos. Mãe de primeira viagem, não  tinha muita experiência e acabava acreditando  nas pessoas que diziam:  crianças são  assim  mesmo. Na idade escolar apresentou  dislexia;   erros  por pura distração; apresentava respostas antes de ler toda pergunta;  errava freqüentemente a matemática;  lia o que achava que estava escrito, e não realmente o que estava escrito;  não prestava atenção nas aulas, fazia trabalhos escolares na ultima hora,  na hora da tarefa, tudo  ao  redor o  distraía, fazendo  uma verdadeira guerra de nervos entre eu e ele.  Eu também não  tinha paciência e acabava gritando  com ele e batendo nele,  freqüentemente eu  tinha um ataque de nervos perante o  menino. Sei que  o  nosso relacionamento  foi  terrível, eu  como mãe achava que era tão  doida quanto  o  filho. 
Na adolescência, entrou  nas drogas (maconha  e bebida);  praticava pequenos furtos por adrenalina;  repetiu  3 anos na escola;  não parava quieto  na sala de aula; não  parava em casa; não  avisava onde estava e sumia 1 ou  2 dias; nunca pensava nas conseqüências dos seus atos;  andava com  gente de comportamento  duvidoso,  não  conseguia estudar, sempre dormia em cima do livro, tinha acesso de explosão de raiva; quando  pegávamos ele para ter uma conversa ele parecia que não  estava ouvindo,  muitas vezes não  estudava para as provas e sempre pensava que dava-se um jeito na hora (cola,  enrolar o professor, faltar e dizer que tava doente, etc),  não  tinha limites nem  disciplina, não  aceitava uma resposta negativa e outros comportamentos inadequados, o quarto era um caos de bagunça.  Aos 12 anos, o pai  não  agüentava mais e pensava em interná-lo  numa escola.  Apesar de todos  os problemas, ele era e ainda é, muito  inteligente. 
No mês de julho deste ano,  eu estava na Internet  pesquisando  alguma coisa e notei  um  site chamado  “portal da família”  que aborda muitos problemas neste circulo de relacionamento e entrei  na janela adolescente e lá vi  sobre o  TDAH, achei  interessante e pesquisei  mais a fundo e descobri  que a doença era a cara do  meu  filho. Li bastante sobre o  assunto e  fui  separando  os sintomas que cabiam a ele. Eram mais de 30, ou  seja todos os sintomas, incluindo a hiperatividade.  Levei  ao psiquiatra e a médica confirmou  as suspeitas. Descobri que além  dele, eu, meu  irmão  e o  meu pai  também têm  a mesma doença. Meu  irmão  e meu  pai  moram em São Paulo,  mas  pela Internet ele contou que ele também tem os sintomas e que sofreu e ainda continua sofrendo muito, e disse que perdeu muito na vida e nunca soube o porque. O mesmo  aconteceu  com  o nosso  pai. 
O pai  do meu  filho  nunca ajudou muito, só  piorava a situação, dizia na cara dele que ele nunca ia dar para nada, que iria puxar carroça, enfim,  só rebaixava o  menino. Só  sabia repreender, xingar e humilhar. Isto  foi  muito  ruim.
Hoje entendo  porque a minha vida foi  muito  caótica,   o porque do  comportamento do  meu  filho. Temos TDAH e nunca sabíamos e nunca fomos tratados. Eu  deixei  de realizar muita coisa na vida, errei  muito  por falta de pensar, auto-estima baixa,  impulsividade,  apatia, depressão, adiamento, etc. Perdi  muitas coisas na vida  por distração, tinha  explosão de raiva quando  deparava com  dificuldade, chegando a agredir colegas de trabalho; perdi empregos, dinheiro, relacionamentos; deixei muitas oportunidades boas passarem.....Hoje me sinto  fracassada. Gostaria de me tratar, mas como  não  tenho  condições, priorizo  o meu  filho.  Não  gostaria que  meu  filho  tenha uma vida como  eu  tive.  Estou  comprando o remédio  dele (RitalinaLA) com  muito  sacrifício  porque o  pai  dele não  quer ajudar, alega que não  tem condições, mas eu  sei  que ele pode.  O pior é que o  medicamento é de uso  contínuo, a própria doença faz dele um dependente do  remédio. Vou  tentar através do governo, porque eu  não  tenho  condições. Ele precisa também de terapia psicológica.  
A violência nunca vai  acabar porque o  governo  só pensa em remediar a violência e não as suas causas, as suas origens. Transtornos mentais como  o  TDAH  levam facilmente o indivíduo  ao  crime pela própria natureza da doença: necessidade de adrenalina,  droga,  ( a droga é usada como  uma auto medicação  dos sintomas do  tdah), o  não  pensar nas conseqüências,  gosto pelo  perigo, a tendência de pensar que sempre dá se um jeito  em tudo;  noção  pobre do perigo; impulsividade,  fracasso  escolar, etc. Além  disso pode causar acidentes de carro por gostar de dirigir em alta velocidade.
A doença não  é muito  divulgada entre as pessoas,   profissionais da educação e médicos. Por isso, deve existir muitas crianças que  são  punidas e não tratadas (como  meu  filho  foi).  O portador deste  transtorno é chamado ou  apelidado  de  irresponsável, safado, indisciplinado, baguncento, distraído, no  mundo  da lua,  burro, pouco  inteligente, louco e outros  nomes que são nada simpáticos. 
Gostaria que  houvesse divulgação  maior para  que  possa evitar sofrimentos ao portador e sua família, não  gostaria que ninguém  sofresse por falta de informação. Gostaria também  que o   Ministério  da Saúde voltasse atenção para a doença e ajudasse as pessoas necessitadas com  medicamentos e psicólogos competentes para o tratamento do  TDAH.
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Obrigada Leitora pelo seu depoimento, mas principalmente pela sua luta e colaboração na divulgação desse Transtorno. Espero poder continuar contando com a colaboração de outros portadores e profissionais interessados em fazer o TDA-H sair do anonimato, mostrar que existem adultos ainda hoje, como vimos nesse relato, convivendo com todos esses sintomas sem saber no mínimo que não são culpados de serem como são, que não foi uma escolha, e sim, uma doença herdada e que existe tratamento. 
Márcia Homem de Mello

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